Por fim, a morte de Deus
Desde sempre o ser humano tem necessitado de uma presença superior a quem possa apelar, desde sempre se tem recorrido à fé e àquilo que está "mais além" para conseguir viver.
Porém, já antes do século passado se assistia a um fenómeno que antes nunca tivera lugar: os humanos estavam a tentar matar Deus na sociedade ocidental e, com ele, todos os tipos de teologia ou mitologia. Esta morte foi estabelecida tanto no campo da Filosofia (Nietzsche, Existencialismo, etc.), da Política (Marx) e da Ciência (Darwin, Astronomia, Freud, Paleontologia, etc.). A reacção (da sociedade ocidental) pode ser dividida na sua generalidade em três tipos diferentes: o fundamentalismo religioso (principalmente cristão, mas também islâmico, por exemplo, em resposta às facções mais "ocidentalizadas"), o recurso à pura Ciência e uma posição de compromisso que tenta conciliar ambas as posições.
Não pretendo, pelo menos por ora, fazer uma exposição das falhas da teoria creacionista e do "criacionismo científico". Vou apenas demonstrar como a vida ou a morte de Deus não nos devem interessar, ou seja, como o ser humano se pode (finalmente, mas já com atraso) libertar da necessidade de saber se existe ou não Deus, um deus, deuses ou qualquer outro tipo de entidades superiores. Saber se Deus (e com Deus quero dizer uma qualquer entidade, não apenas o deus cristão) existe ou não é, penso eu, fundamentalmente impossível. Tal não interessa. Interessa apenas o facto de que Deus não interessa.
Em primeiro lugar há que atentar à expressão "entidades superiores". Tanto quanto sabemos, somos os seres mais sapientes que existem (ou pelo menos com a potencialidade de o sermos), então, porque é que temos a necessidade de nos rebaixarmos? O mesmo se passa com a forma de governo: porque é que o humano parece sentir a necessidade de alguém pretensamente superior para o controlar, para o dirigir? Necessitamos assim tanto de nos sentirmos reduzidos, diminuídos e incapacitados? Bem, por um facto muito simples: a falta de responsabilidade. O ser humano, ou pelo menos a maior parte dos elementos desta espécie, prefere acima de quase tudo não ter que ser responsabilizado pelo que faz, já que a responsabilidade traz consigo os resultados e as consequências das acções tomadas e das escolhas feitas. Então, a primeira razão pela qual se sente que se precisa de um deus é a incapacidade de sermos responsáveis (incapacidade essa que é ilusória, claro). Então, quando temos que fazer alguma coisa é porque Deus manda, ou porque tem que ser assim para podermos ir para o Céu. A ética fica completamente erradicada deste plano, resta apenas uma moral rígida que não dá espaço a qualquer reflexão pessoal.
Uma outra ocasião em que vemos o sobrenatural a ser invocado é quando a explicação de algo nos escapa. Quando algo está para além da nossa compreensão, seja técnica ou intelectual, recorremos a uma entidade que fornece todas as respostas, que é causa e efeito de tudo, na qual tudo começa e na qual tudo termina. Assim, numa tentativa de proteger o nosso ego da clara falta de conhecimentos que temos sobre tantas coisas, utilizamos a mais simples e inteligível de todas as explicações. (O que, curiosamente, vai contra o espírito de rebaixamento que referi há pouco... aparentemente os insultos só podem ser auto-dirigidos, nunca objectivamente perceptíveis). As coisas que nos fazem confusão, que nos deprimem ou que nos deixam mais debilitados também se encaixam nesta categorização: a morte, o sofrimento e a guerra. Todas estas coisas são parte do desígnio (que, não esqueçamos, é insondável!!) de Deus. Todas as coisas são "culpa" dele também - isto apenas mostra como na prática destrinçar estes aspectos é difícil.
Por fim precisamos de Deus para dar um sentido, um objectivo às nossas vidas - qual é a religião que não apresenta uma solução post-mortem para os dilemas da vida? O ser humano, sentido-se oprimido pela inevitabilidade da morte, refugia-se na ideia da não-morte e da recompensa depois da morte. Só assim o humano, fraco, irresponsável e desorientado consegue caminhar as encruzilhadas da vida.
Então, qual é a solução? É simples - é tomarmos consciência da nossa identidade como pessoas, tomarmos consciência da necessidade imperiosa de construirmos para nós um sistema ético, é tomarmos consciência que as nossas limitações presentes serão as nossas possibilidades futuras não procurando dar explicações simplificadas, é construirmos para nós um projecto de vida que inclua este mundo e não um suposto outro.
Prometeu
2 Comentários:
Bom post, sim senhor!
...nem sequer sabia que havia gente famosa que defendia que a evolução da Humanidade passava, não só por uma ruptura com a religião, mas pela libertação e extinção de qualquer tipo de 'crendice'! Eu já tinha pensado algumas vezes nisso, enquanto se divaga, a minha opinião é nesse sentido...
Quanto a essa 'revolução', o 'mundo' ocidental começa a estar preparado (e já vai tarde) mas isso representa ainda uma parcela demasiado pequena da população de cada país e muinto menor ainda em relação á população mundial. Só se tornará possivel com o tempo, há mentalidades muito 'atrazadas' por este mundo fora, cegos pela 'crendice'.
Quanto a sermos "rebaixados" por acreditar num ser superior... Apoio, como já deste conta ali no post do belógue, é uma falta de atitude e uma fuga á responsabilidade.
Não vejo ainda que essa atitude se extenda ao nivel governativo e que tenham que ser abolidos todos os lideres e hierarquias. Isto porque, e é um facto, que a organização melhora qualquer desempenho, desde sempre, nos exércitos, nos jogos de equipa, nas colónias de formigas, na politica... a anarquia completa é inviável. Agora, a religião não desempenha qualquer papel na evolução, só estorva!
de resto, assino por baixo neste post.
A anarquia completa é impossível e não é desejável sequer, mas num sistema que funciona ao nível da micropolítica, segundo as ideias de Foucault, os grandes sistemas de controlo e gestão social são uma forma desnecessária de opressão disfarçada que impedem a obtenção da realização de uma ética e política verdaderiamente livres.
A democracia representativa nada mais é que uma anedota de mau gosto em que as pessoas representadas ignoram o que os representantes fazem, da mesma forma como os mistérios de deus são "insondáveis".
Prometeu
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