terça-feira, abril 26, 2005

Desfile pesadelo...

Mais um post sobre a Revolução...
Ontem, como sempre desde que me lembro, fui ao desfile. Desta vez até levei o meu ilustre colega de blog, Prometeu. E arrependi-me. De ambas as coisas. Porquê? Passo a explicar...
Durante os meus dezanove anos de vida (mais precisamente, dos cerca de catorze, quinze de que me lembro com segurança e consciência), tenho vindo a assistir à degradação do espírito de Abril. E isso verifica-se bastante bem nos desfiles anuais. Mas desta vez foi ainda pior!!! Sim, eu sei que a Revolução se fez para nos dar Liberdade, e que portanto qualquer pessoa se pode integrar no desfile, mas escolas de samba?! Por favor, eu nem quis acreditar! Será que foi instaurado um outro carnaval em abril e ninguém se lembrou de me informar?? Os Capitães de Abril arriscaram a vida por nós. Sim, inclusive para que tenhamos liberdade de andar meio nus a dançar pela rua, se tal nos apetecer. Mas não foi por isso que eles lá foram. Eles disseram em declarações à imprensa que "queriam divertir-se". Divertir-se? Eu quando quero divertir-me saio com amigos, vou à praia, ao cinema, vou onde me apetecer. NÃO VOU brincar com coisas sérias!
Outro ponto. Não tenho nada contra a representante da juventude que foi designada, mas por favor... Nunca vi um discurso com tantos "lapsos linguísticos", para ser delicada... Além do estilo completamente empolado e "solene", ela enganava-se palavra sim, palavra não! Por favor, senhores organizadores, para a próxima escolham alguém que saiba ler um pouco melhor do que aquilo...
Mais uma coisa. Este ano, pela primeira vez em trinta e um anos de Revolução, a "Grândola, Vila Morena" e o Hino Nacional não foram cantados após os discursos, com os Capitães de Abril e os representantes das diversas organizações participantes em palco. Eu não quis acreditar. Aliás, eu ainda agora não acredito, estou à espera de acordar e perceber que tudo aquilo foi um pesadelo, e que HOJE é dia 25, e que o desfile vai ser realmente um DESFILE...
Talvez o que eu vou dizer agora pareça lamechas, ou exarcebadamente sentimental, mas foi o que eu senti. Quando o desfile acabou, fiquei com um nó na garganta, com o coração apertado. Porque me dói muito, imenso mesmo, ver como o espírito de Abril se está a perder. Mas isto está nas nossas mãos, nas nossas mãos de Filhos de Abril. Por favor, POR FAVOR, vamos ao menos TENTAR manter este espírito vivo?...
À despedida, duas coisas:
1ª - desculpa lá, Prometeu, o trauma a que, involuntariamente, te submeti levando-te comigo...
2ª - se alguém quer ver mais desgosto pelo desfile, vá ao blog aqui do colega Prometeu, ler este post. Garanto que está inspirado...

domingo, abril 24, 2005

Trinta e um anos de Revolução...

O 25 de Abril foi há trinta e um anos.
Trinta e um anos... Um segundo na História, um segundo na vida de um país, um segundo se os compararmos com os que já passaram sobre as Revoluções Francesa, Russa ou Americana.
Trinta e um anos... Uma vida. Ou até mais, se pensarmos nas novas gerações, nos filhos de Abril, naqueles que já usufruíram de todas as suas conquistas sem participarem nas suas lutas. As gerações que nunca sofreram a repressão. As gerações que encaram a Liberdade como adquirida, porque nunca viveram sem ela. A geração a que eu pertenço.
Trinta e um anos passaram, portanto.
E muito mudou.
E muito continua igual.
Naquela madrugada bela e luminosa em que Portugal renasceu, houve sonhos à solta. Sonhos de paz, liberdade e justiça. Sonhos de igualdade. Os cravos vermelhos que enchiam as ruas, que enfeitavam as armas, a isso levavam. Deixavam sonhar. E Portugal, unido e sorridente no mesmo sonho, unido e esperançoso naquela manhã clara e pura, sonhou. E sonhou poder concretizar esse sonho. E o Povo saiu à rua. E o golpe de estado tornou-se Revolução. Revolução do Povo, Revolução dos Cravos, cravos rubros como o sangue de tantos que tombaram sonhando com ela. Revolução rubra. Revolução dos sonhos. Sonho de Revolução...
Mas os sonhos morreram.
E agora, trinta e um anos depois, as conquistas de Abril, dadas como adquiridas pela minha geração, vão-se diluindo. E a contra-revolução, contra a qual milhares gritaram naquele Verão Quente como nenhum outro, instala-se.
“Não passará! ”, gritava-se.
Onde estão os que gritavam? Morreram? Adormeceram? Desistiram? Cansaram-se? Ela passou! Passou em Novembro, em Novembro de 75 quando o Povo (des)unido escolheu travar a Revolução. E continua a passar!
E os sonhos morreram...
Dir-me-ão que exagero. Que o país evoluiu. Que o país está melhor. Que se aproxima da Europa. Que, se fosse antes, eu nem sequer poderia escrever este texto, colocá-lo neste blog assim, às claras. Ou falar das minhas ideias. Ideias revolucionárias, de esquerda, comunistas, anarquistas mesmo.
Em parte têm razão, eu sei. Mas não posso achar normal que, trinta e um anos depois, as novas gerações desconheçam ou esqueçam o que foi o 25 de Abril, esqueçam a gratidão que devem àqueles capitães, sem os quais algo tão simples como um casal beijar-se na rua seria proibido.
Não posso achar normal que a malta da minha idade não saiba quem foram Salgueiro Maia, Zeca Afonso ou Ary dos Santos. Que não saibam quem são Otelo Saraiva de Carvalho, Vasco Lourenço ou Vasco Gonçalves. Que a “Grândola, Vila Morena” e o “E Depois do Adeus” sejam consideradas canções antigas e fora de moda. Fora de moda?! Foram as senhas da nossa Liberdade! O 25 de Abril não é apenas mais um feriado em que não há aulas e se pode “dar uma volta”. O 25 de Abril foi o renascer de um povo, do nosso Povo, do nosso País, do nosso Portugal!
Mas a quem é que isto importa?

Trinta e um anos... Tanto tempo e tão pouco.
Destruíram-se a censura (pelo menos a oficial...) e a polícia política. Acabou a guerra colonial que ceifava a nossa juventude. A mulher (finalmente!) emancipou-se. Favoreceu-se o acesso ao ensino. E tantas, tantas outras coisas, conquistas de Abril, conquistas daquela noite em que os capitães saíram à rua, em que os militares e o povo se irmanaram.
Mas ainda há desemprego. Cada vez mais.
Mas ainda há sem abrigo. Cada vez mais.
Mas ainda há fome, e pobreza, e crianças maltratadas, abandonadas, negligenciadas, abusadas.
Mas ainda há guerra. Guerra em que Portugal se intrometeu contra a vontade do seu Povo, que saiu à rua pedindo Paz.
Mas ainda há pessoas aos caixotes...
E enquanto houver isto, enquanto houver tudo isto, enquanto não desabrochar no coração e na alma de cada português um cravo vermelho, Abril não se cumpriu.
Enquanto houver fábricas a fechar e milhares no desemprego, Abril não se cumpriu.
Enquanto houver crianças vítimas... de tudo um pouco, Abril não se cumpriu.
Enquanto cada jovem, cada filho de Abril, não souber o que foi a Revolução, não souber o que custou a Liberdade, a liberdade que agora usam e de que abusam, Abril não se cumpriu.
Enquanto os sonhos daquela madrugada límpida e pura não forem realizados, Abril não se cumpriu.
Enquanto palavras como Justiça, Fraternidade ou Amor ficarem só no dicionário, Abril não se cumpriu.
Enquanto se deixarem cerrar as portas de Abril e perder as suas conquistas, Abril não se cumpriu.
Enquanto o Povo continuar desunido, esquecido da sua força, esquecido dos seus direitos e das suas lutas, Abril não se cumpriu.

Trinta e um anos passaram...
Vamos cumprir Abril!

sábado, abril 09, 2005

A modéstia

Tal como tinha prometido há já bastante tempo, aqui vai um post sobre a modéstia, com as devidas desculpas a quem por ele tanto tempo esperou.

Ponto de partida, e que será, ao mesmo tempo, a premissa de conclusão, aquilo a que irei chegar quando terminar o meu (muito) simples raciocínio: a modéstia foi, é e será sempre um defeito de origem social, do qual nos devemos livrar quanto antes. A pergunta lógica que segue é: "porquê?".

Senão, vejamos. A modéstia é muito simplesmente o acto de rebaixar as nossas faculdades subjectivamente por nós consideradas como tais quando em conversa com outra(s) pessoa(s). A modéstia parte do princípio que nós sabemos exactamente quais são as nossas capacidades e que mintamos sobre elas, que enganemos o nosso interlocutor. Não sei quanto a vós, mas eu desprezo e abomino a mentira em todas as suas formas. Porém, por muito esquisito que possa parecer (e daí, talvez não), esta forma de mentira é não só permitida como também encorajada pela sociedade (mais uma prova da decadência do tecido social actual). De novo, a pergunta "porquê?". Pelo que me é dado a ver, a resposta parece simples: numa sociedade claramente abaixo da média (perdoem-me o contra-senso; o que eu quero que se leia é "média desejada") e com sub-aproveitamento (como o "analfabrutismo", como eu gosto de lhe chamar), a melhor forma de impedir que o ego (num sentido aqui muito freudiano) de cada um, e, por conseguinte, da totalidade, saia magoado é fazer com que a outra pessoa se repise a si mesma. Não havendo, por obra e graça da santa modéstia, ninguém que admita que se destaca (no que quer que seja), todos ficam contentes e pensam que somos "todos iguais", esquecendo-se da parte do "todos diferentes" - quer isto dizer que é mais confortável para os amantes da modéstia pensar, mesmo que inconscientemente, que somos todos uma massa amorfa com as mesmas características. Ao mesmo tempo, e caindo nas inevitáveis contradições em que sempre se cai quando se é ilógico, os mesmos promotores da modéstia passam à admiração/veneração de outras pessoas. Mas agora (pasme-se), acontece o mais divertido: imaginando, por momentos, que a pessoa A admira a pessoa B e que a pessoa B concorda com os elogios tecidos por A, B passa automaticamente a ser presunçoso ou convencido aos olhos de A, meramente por ter concordado com A. Estranho, não é? Também acho. O que daqui se releva é o seguinte: admitimos a admiração quando reside em nós e apenas em nós o poder de a atribuir e quando a pessoa alvo da admiração está longe (porque se cria uma distanciação psicológica que permite ver a pessoa como "além" ou "acima" (e.g.: aqueles inúteis, vulgo jogadores de futebol, que são adorados por multidões), ou quando a pessoa entra no contrato sub-reptício de negar a admiração, mesmo sabendo-a verdadeira.

Chegando a este ponto da minha argumentação, frequentemente me deparo com a ridícula afirmação: "mas então defendes que as pessoas sejam presunçosas", como se entre a modéstia e a presunção existisse uma clara linha divisória e apenas a possibilidade de escolha entre uma ou outra coisa. Puro erro, de origem bem conhecida: a sociedade formata-nos de tal maneira que nos retira a capacidade de ver claramente um continuum. O que se defende, então, é a mais pura e simples coisa deste mundo: a honestidade e a franqueza. Que funciona para ambos os lados. Exemplo muito prático: estou agora a ter lições de guitarra clássica, e tenho algumas dificuldades em coordenar os movimentos. Pronto, simples, não é? Se eu estiver com um verdadeiro virtuoso nato, espero que ele me diga "estou agora a ter lições de guitarra clássica, e é-me facílimo aprender novos exercícios e novas músicas, domino tudo aquilo com extrema facilidade, de tal forma que quase se torna aborrecido". E isto difere grandemente de "eu sou um grande guitarrista e como eu não há melhor de certeza, faço aquilo melhor que toda a gente". Será que a diferença não é óbvia?

Deixemos portanto de mentir a nós mesmos e aos outros, aceitemos as diferenças entre nós e partamos dessas mesmas diferenças para fazer um mundo melhor, um mundo mais autêntico, em que a coerção social seja cada vez menor, até chegar ao mínimo possível, seja ele qual for. Em suma, é-nos impossível ser defensores da verdade e da modéstia ao mesmo tempo, se quisermos ser coerentes. Porque ser modesto é mentir, é ser um escravo das convenções e da menoridade intelectual da maioria e dos seus complexos de inferioridade intermináveis.

Acho que em Portugal há um julgamento estranho da modéstia. Batem-se palmas a quem basicamente diz que não é muito bom a fazer o que faz. E quando alguém diz que tem confiança no que faz, utiliza-se uma palavra pejorativa: arrogante. Eu claramente tenho confiança no que faço, e nesse aspecto não sou modesto.
- Gonçalo M. Tavares in Mil Folhas, Público


Prometeu

sexta-feira, abril 08, 2005

"A Filosofia na Alcova"

Um livro do Marquês de Sade, com um pequeno comentário da minha autoria aqui, que convido todos vós a ler.

Prometeu