quarta-feira, novembro 22, 2006

Diálogo sobre sexualidade e poliamor

[NOTA: Devido ao carácter pessoal desta conversa, aparece aqui relativamente descontextualizada e editada para salvaguardar a privacidade de terceiros, segundo considerações éticas que consideramos inultrapassáveis. Ainda assim, este não é, de todo, um assunto encerrado ou um debate com princípio, meio e fim, mas sim um fragmento que permite a continuidade do discurso - muito embora este tenha sido o fim da conversa na realidade. Assim, não é de estranhar o tom súbito da questão; simplesmente falta o princípio da conversa, por assim dizer. Ademais, a palavra "poliamor" é um neologismo que, tanto quanto sabemos, ainda não entrou na língua Portuguesa, muito embora tenha já entrado no Castelhano e no Inglês, por exemplo. É a mistura do prefixo "poli-" (vários) com "amor", resultando numa tradução literal de "vários amores" e, na verdade, corresponde a um termo que agrega um certo número de estilos de vida diferentes entre si, com o denominador comum na recusa da monogamia como algo natural e preferível.]

Prometeu - A participação numa orgia não está nos teus planos futuros? Juntamente com a experiência lésbica, por exemplo?

Nocturna___ - Talvez, mas seduz-me mais a ideia da experiência lésbica do que a da orgia, propriamente...

P - Podes juntar ambas de certa forma num ménage-à-trois, por exemplo... Assim podes ter a tua experiência lésbica e partilhá-la inclusive.

N - Sim, mas uma coisa de cada vez... Não sei se me sentiria à vontade numa orgia. O ménage-à-trois já é mais sedutor e está sem dúvida nos meus planos, desde que satisfaça algumas condições.

P - Como por exemplo? ... Também é uma experiência que me cativa muito.

N - Basicamente que as outras duas pessoas sejam íntimas, da minha total confiança, que não faça grandes exigências depois... Principalmente tenho que ter efectivamente vontade de estar com aquelas duas pessoas ao mesmo tempo. Às vezes, em nome de experiências que queres ter, forças-te a ti próprio a tê-las sem estares preparado para isso...

P - Sim, isso é verdade. E não te esqueças que as duas pessoas devem ter confiança entre si também... E preferias que a experiência fosse com dois homens ou com um homem e uma mulher? Suponho que a participação do teu namorado é condição sine qua non, certo?

N - Sim, sem dúvida. Preferia um homem e uma mulher. Sim, ele tinha que lá estar também, para fazer sentido, até porque não há ninguém que me seja tão íntimo... Aliás, nós já falámos inúmeras vezes sobre esta possibilidade e é algo que ambos queremos. Se um dia se proporcionar e se estivermos já preparados, acho que não hesitamos. Mas a questão de se sentir mesmo preparado é essencial neste tipo de experiências. Quanto mais natural, melhor!

P - Sem dúvida, concordamos nisto ponto por ponto. Esse tipo de experiências é algo enriquecedor, que não precisa de ser cheio de fantasmas... Pode fortalecer uma ligação, abrir uma porta muito boa para, por exemplo, uma relação poliamorosa. E quando as pessoas se sentem prontas a esse nível, há uma grande ligação entre elas!

N - É mesmo! Se for natural é enriquecedor. Se não for, se for forçado, pode ser até traumatizante, no sentido de fechar o indivíduo a esse tipo de relações.

P - E de criar medos e traumas dentro da própria relação. Uma das duas partes da relação primária pode ficar a sentir-se inferiorizada. Por outro lado, a possibilidade de existir a abertura para a repetição da experiência pode abrir a possibilidade de transformar uma "experiência" pontual numa relação estável, tripartida. Claro que tudo isto não existe no abstracto, e vão haver sempre problemas.

N - Eu, pessoalmente, vejo mais este tipo de experiências como coisas pontuais e não como o início de uma "relação estável tripartida"... Mas isto é a minha visão hoje. Não sei a de amanhã. Assusta-me ainda um pouco a ideia de partilhar a nossa intimidade (minha e do meu namorado) permanentemente com uma terceira pessoa... É o único ponto de resistência em relação à minha aceitação da poligamia, como sabes. Teoricamente parece-me perfeita. Na prática, muito difícil - extremamente difícil - de realizar. As relações a dois já não são muito fáceis de gerir, quanto mais a três ou a mais... E, no meu caso, que tenho uma relação amorosa excelente, abri-la a uma terceira pessoa poderá estragá-la, bastava um de nós não estar perfeitamente preparado para tal.

P - A poliamoria nunca é perfeitamente fácil, nem lá perto. Há uma tonelada de acondicionamento que muitas vezes não conseguimos ou queremos ultrapassar. E tens também uma terceira saída, que a mim me atrai de sobremaneira e que está muito bem explorada no "The Ethical Slut", que é a noção de "fuck buddy". Tens um amigo/ amiga, que não passa disso mesmo, mas em que a vossa relação de amizade inclui a actividade sexual a par e passo com outras "normais" actividades entre amigos. E aí não tens uma obrigatoriedade, uma vinculação especial, mas uma amizade reforçada de forma superlativa.

N - Sim, também me atrai muito mais essa ideia do que a relação poliamorosa propriamente dita. E não é só uma questão de superar esse acondicionamento cultural. É da própria natureza dos sentimentos. É impossível, parece-me, colocar duas pessoas ao mesmo nível, como se o que sentimos por essas duas pessoas fosse exactamente o mesmo, e nunca é. Pode aproximar-se, mas o sentimento nunca é o mesmo. Por isso acho que a poligamia na prática traria mais problemas que prazer... Amamos muitas pessoas, mas com intensidades diferentes, por razões diferentes, não é o mesmo sentimento. E é com base nessas diferenças que se devem estabelecer as relações. Não me parece benéfico juntar esses "amores" todos o mesmo saco.

P - Mas eu penso que podes amar pessoas diferentes por uma mesma razão e com intensidades semelhantes. Acho que há um ponto em que deixamos de conseguir quantificar o sentimento por uma pessoa. Quando tens duas pessoas nessa situação, com um amor que radica na mesma razão ou base (o amor romântico), a questão da intensidade deixa de ser relevante porque deixas de conseguir escolher, não?

N - Percebo a tua ideia. Eu acho que isso é possível, embora raro. Nunca experimentei essa situação, por isso não me é tão fácil conceber a ideia. Acho que nessas alturas, quando há dois sentimentos de igual intensidade, a pessoa tem que assumir e, se for possível, passar a uma relação a três com todas as dificuldades que isso implicaria. Isto se fosse mesmo isso que a pessoa desejaria. Em relação à quantificação, penso que é algo que não acontece concretamente... Acaba por ser inconsciente. Não se faz uma escala do sentimento. Sente-se. E sabe-se que é de forma diferente e por razões diferentes.

P - De certa forma eu suponho que há aqui uma escolha difícil. Uma pessoa com esses sentimentos tem que escolher entre uma relação a dois que implica o sacrifício de uma parte dos seus sentimentos ou uma relação a três, que tem (mas não deveria ter) alguns problemas pontuais acrescidos. No entanto, rejeito a visão de que uma relação poliamorosa é obrigatoriamente mais problemática. Afinal de contas, há 50% de divórcios, o que não abona em favor da monogamia. E existem muitas vantagens para além das sentimentais numa relação poliamorosa.

N - Sim, é verdade que o grande número de divórcios não abona nada a favor da monogamia. Mas acho que isso tem a ver com as características intrínsecas do sentir humano. É por isso que as relações, quer de poligamia, quer de monogamia, nunca são pacíficas. Em primeiro lugar há que pensar na relação no geral e depois nos casos particulares.


Post conjunto de Prometeu e Nocturna___ que resulta da edição de uma conversa entre ambos.