terça-feira, outubro 26, 2004

Descartes e o "cogito"

A famosa frase cogito, ergo sum, que demonstra a principal verdade que Descartes encontra na sua dúvida metódica, e que, ao mesmo tempo, é a pedra angular de todo o seu pensamento filosófico foi, por "contrabando" linguístico, por mera nuance de gramática, transformado, havendo uma deturpação do sentido - de ego cogito (eu penso) passa-se para o cogito no geral (o pensamento). Portanto, ao invés de haver um sujeito de enunciação que pensa e que, por conseguinte, é, passa a haver um pensamento que é, ou, melhor dizendo, é o pensamento que é. Perde-se portanto a necessidade de um sujeito que pensa e passa-se ao pensamento em abstracto como realidade do ser: nós somos pensamento.

Como uma das bases do projecto Iluminista anterior a este nosso novo Iluminismo, Descartes deixou assim uma das principais influências: o pensamento e a Razão são todas-poderosas, somos apenas pensamento. Ora, isto levou a uma coisa muito simples: a total e completa negação do Homem como uma entidade física, como uma entidade racional e irracional, que tem, para além da Razão, sensações, sentimentos, frustrações e desejos.

É certo que o projecto dos Neo-Illuminati se apoia também no uso da nossa inteligência humana para atingir um novo nível de ordem e de sociedade, um novo nível intelectual e de conhecimento. Mas é também certo que não cairemos (não o poderíamos fazer se realmente amamos assim tanto a Verdade) no erro de supôr que o Homem é unicamente ou maioritariamente racional. Se bem que, como eu encaro as nossas vivências, o controlo do racional sobre o irracional pode ser aumentado, também é verdade que este controlo castrador não deve ter lugar. Muito pelo contrário, a inteligência que temos deve servir-nos para compreender os nossos desejos, as nossas pulsões, para usá-las de forma não lesiva. Não queremos dizer que o Homem pensa acima de tudo, mas que o Homem pensa e sente, e que pode utilizar estas duas coisas para que não se entregue a um deplorável ascetismo de século 18, nem ao deboche que conduz ao oblívio de tudo o resto. Temos que saber assumir os nossos desejos e apetites, temos que procurar satisfazê-los, desde que daí não resulte mal a outro, mas temos que contrabalançar isso com um uso cabal da Razão; temos que saber dirigir a nossa vida entre os períodos de emoção e paixão e temos que saber dedicar-nos à paixão e às emoções entre os momentos de condução racional da nossa vida.

De forma a não me afastar do tema, deixarei o ascetismo para outra altura, tanto o Iluminista, como o pré-iluminista, com as suas claras fundações a remontarem aos primeiros ascetas da Antiga Grécia, e ao seu reforço pela Igreja na Idade Média.

Prometeu

1 Comentários:

Blogger Daniel Cardoso disse...

Como já tive ocasião de referir, gostaria que desenvolvesses esse comentário para eu poder responder cabalmente...

Abraço,
Prometeu

11:10 da tarde  

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