sábado, março 18, 2006

Da estranha sexualidade ocidental

Um pequeno artigo da SÁBADO nº 97 (página 34) fala de uma estudante na Polónia que foi expulsa do liceu público que frequentava por ter posado para uma edição da Playboy, sob alegações de "imoralidade e falta de ética".



Isto leva-nos a pensar sobre várias coisas ao mesmo tempo, de tal forma que quase se atropelam umas às outras, com a pressa de chegar à nossa mente e de nos mostrar o ridículo da situação exposta.



Em primeiro lugar, e mais flagrante, é o facto de uma instituição pública punir uma jovem de forma absurda e cruel apenas porque ela decidiu fazer algo que é, em última instância, um acto pessoal. Foi cometida alguma ilegalidade? Não. Foi feito algo no espaço desse mesmo liceu? Não. Alguma coisa poderia ser considerada como atentatória contra o Estado? Não. Mas, ainda assim, e como tem sido cada vez mais notório na sociedade ocidental, o Estado insiste em imiscuir-se de forma totalmente abusiva na privacidade de cada cidadão, gerindo como mostra Foucault uma microfísica do poder, mesmo quando não o faz de forma tão directa e notória. E para além deste ponto, nem sequer existe uma organização interna nas medidas tomadas: para haver semelhante coisa, seria necessário que todas as pessoas que contribuissem para qualquer material erótico/pornográfico fossem de forma semelhante atingidas pelo Estado, que perferiu fazer da jovem um exemplo de punição.



Mais que isso, reparemos para o fundamento da expulsão: "imoralidade e falta de ética". Ora, se é preciso entregar um dicionário a quem supostamente rege um liceu público, está tudo estragado, não vos parece?
A moral vem do costume, até na sua derivação linguística. E, atentendo à fortuna que tem o dono da Playboy, e ao facto de não ser ilegal a venda de revistas pornográficas no país em questão, a moralidade parece não ter nada que ver com a questão, pois como costume se vendem revistas para as quais obrigatoriamente os modelos têm que posar.
Ficamos com a questão da falta de ética. Ora, a ética é um sistema de crenças e comportamentos que um indivíduo pode construir no espaço da sua pessoalidade como forma de orientação da sua vivência na correlação com os outros. Um sujeito que usa de ética na sua vivência respeitará os outros, a sua autonomia, e relacionar-se-á com os outros de forma integrada, encarando-se a si prórprio como um outro ["soi-même comme un autre"]. À pergunta "que pessoas forma aqui lesadas pelas acções da jovem?", e que portanto poderiam ser consideradas sem ética, teremos que responder "nenhumas".



Não obstante, e para espanto geral, a verdade é que este tipo de actividades está efectivamente condenado no sistema moral da nossa sociedade, mau grado o facto de ser um acto relativamente comum. Há portanto uma contradição fundamental entre o que se diz e o que se faz, uma hipocrisia in stadio ultimo que gere toda a tábua valorativa da sociedade. Não será, por conseguinte, necessário libertarmo-nos de todas estas falsas modéstias, de todo este lodo pseudo-moral - chamar-lhe-ia mais "religioso" - que ainda atormenta as nossas mentes com semelhantes barbaridades? Não será necessário que o nosso desagrado se faça efectivamente sentir, para além de se fazer ouvir? Ou continuaremos a deixar que nos espezinhem, que nos roubem de toda a nossa humanidade, ficando quietos e calados como obedientes carneiros?



Prometeu