sábado, novembro 27, 2004

Dualidades na ética e no sujeito

O Bem existe? Ou o Mal? O que é conseguimos fazer com estas duas palavras? Dividir. Conseguimos sempre estabelecer um contraste entre agonista e antagonista, entre um lado que queremos e um lado que temos que abominar e rejeitar. Nada disto tem um sentido certo, nada isto é verdadeiro no grande sentido da palavra.
Temos sempre vivido à base de dualidades que se opõem, ao invés de encarmos a verdade como ela é: a de dualidades que se complementam. O ser humano não pode aspirar a ser puro e puramente Bom porque isso está em directa contradição com a própria natureza humana - todos nós temos o nosso "lado lunar"! Conseguimos arrancá-lo de nós? Só à custa de arrancarmos uma própria parte de nós! Ora, isto não significa que tenhamos o direito de dar largas ao nosso lado menos agradável e que podemos fazer o que quisermos! Trata-se simplesmente de encontrar um equilíbrio na forma de agir e de pensar que se conforme com uma ética não pré-estabelecida, mas pessoalmente construída. Lembremo-nos que temos que ter em conta o resultado das nossas acções no outro, num Outro que é tão Sujeito como o Eu.
O Bem e o Mal são características de coisas, são categorizações altamente mutáveis. Existem, porém, certas coisas que vão sendo criadas por acumulação, que se enquadram na nossa sociedade e não podemos relativizar tanto que percamos qualquer linha de guia para a construção de quem somos. O que interessa é que consigamos distinguir para nós o que é que pertence a cada uma das categorias e que aprendamos a aceitar esta duplicidade como ponto de partida e de chegada de um Sujeito não-unívoco. Nalgumas "pequenas" coisas, o que hoje era aceitável, amanhã não será e vice-versa. Mas não deixemos que seja a sociedade a impôr-nos essas definições: temos que ser nós a atingi-las por nós próprios mediante uma via reflexiva.

Prometeu

segunda-feira, novembro 22, 2004

Comunicação e sujeito na pós-modernidade

"A comunicação electronicamente mediada [...] desafia, e ao mesmo tempo, reforça os sistemas de dominação emergentes na sociedade e cultura pós-moderna [;] decreta uma reconfiguração radical da linguagem, que constitui sujeitos fora do padrão do indivíduo racional e autónomo [do Iluminismo] [...] Coloca tanto perigos como desafios que podem conduzir a um desafio fundamental às instituições e estruturas sociais modernas."
POSTER, Mark - A segunda era dos Média
Tendo em conta estas afirmações de Mark Poster, é preciso ver que falta ainda definir realmente este novo sujeito, esta forma que se afasta do etnocentrismo e suposto universalismo do sujeito-Razão do Iluminismo. Uma das componentes da sociedade pós-moderna que está a afectar os sujeitos é, sem dúvida, a passagem dos velhos formatos de comunicação e transmissão de conhecimentos para novos formatos que obrigam a um reposicionamento do sujeito na lógica da comunicação e, portanto, na lógica da sociedade e do mundo. Pensar este novo indivíduo é pensá-lo em ligação com coisas que nunca antes existiram, com uma sociedade que apresenta meios técnicos cada vez mais elaborados e diversificados que dão a palavra mas também anonimizam o sujeito.
A internet, e, já agora, os blogs são um bom exemplo desta mesma realidade. É agora possível cancelar o controlo do fluxo informacional comunicando através de meios que simplesmente têm um poder de difusão total e desregulado. Mas este novo sujeito que aparece e estas novas potencialidades trazem também outro tipo de problemas. Por um lado, o facto de eu poder dizer o que quiser sem mais considerações faz com que eu perca automaticamente algum do impacto que a minha comunicação poderia ter noutro contexto. Autor e leitor não têm simplesmente, qualquer tipo de referências mútuas que permitam ajuizar para além daquilo que está presente, sendo portanto mais difícil que o leitor seja persuadido. A anonimidade deste meio de comunicação é, simultaneamente, um pró e um contra. Por outro lado, a "reconfiguração radical da linguagem" leva a uma reconfiguração radical do sujeito, que perde o seu lugar preestabelecido social e hierarquicamente. Havendo a vantagem de que assim o sujeito seja mais «livre» nos seus movimentos, a verdade é que há um grande risco de que o sujeito se possa perder nestes mesmos movimentos por entre os meandros da nova lógica comunicativa.
A realidade tem-nos demonstrado isto mesmo. Com a criação de novas formas de comunicar, os sujeitos (não a concepção geral de um sujeito), têm-se vindo a perder, a tornarem-se mais amorfos e disformes. O problema não está em toda esta plasticidade agora tornada possível. Está na falta de uma base que permita a locomoção por entre estes lugares em permanente mutação. O necessário agora é encontrar essa mesma forma de dotar o sujeito de uma capacidade de locomoção para que se cumpra o "desafio fundamental às instituições e estruturas sociais modernas". Temos apresentado aqui certos pontos desse mesmo sujeito. Tem sido aqui apresentada a ideia de uma constante alteração como verdadeira forma (ou não forma, mas tipologia de eterna re-formação) do que é o ser humano.
Prometeu

domingo, novembro 14, 2004

Mudar

Dizer que se quer mudar é estar a arriscar uma data de coisas. Dizer que aquilo que se quer fazer é diferente, é inovador, é perturbador, constitui sempre um risco. Um risco porque as pessoas muito raramente estão habituadas à mudança.
Ver o Homem como um animal gregário tem sempre sido a norma. Nós somos hábitos, quase se pode dizer. Dependemos deles para conseguir sobreviver neste mundo... Pura falácia! Numa sociedade que dá tanto valor à estabilidade e à igualdade temporal de circunstâncias (sejam elas quais forem), por vezes esquecemos que o mundo avança à base de mudanças, à base de alterações que vêm desregular as nossas crenças. Pensar que o ser humano pode atingir um patamar de perfeição onde se possa estabelecer e estabilizar é uma ideia do antigo Iluminismo de século XVIII, herdada de pensadores como Comte, com a sua Filosofia Positiva. Nós não caminhamos para a perfeição - como se pode caminhar para algo que apenas existe como abstracção? E pior, como é que se define a perfeição se não existem quaisquer bases de comparação?
Esta mudança pode ser encarada de várias formas. Pode ser encarada como uma "simples" mudança de opinião ou de rumo de vida, pode ser encarada como uma mudança científica, pode ser encarada como uma mudança económica ou social, até mesmo política, certamente. Não interessa sobre que parte do Real nos debrucemos, a mudança está lá para desenvolver, para alterar. Na Ciência, estamos a atravessar uma mudança de paradigma no contexto da luta entre as Ciências Sociais e Humanas e as Ciências Naturais. Na economia, caminhamos para um ruinoso neo-liberalismo. Na política, para um extremismo da Direita e para uma dormência da Verdadeira Esquerda. Nas nossas opiniões? Bem, aí, por culpa de factores vários (dos quais o comportamento de cada um não é o menos importante) a mudança parece estar a realizar-se no sentido da não-mudança. Quer isto dizer que as pessoas têm tendência agora, mais do que antes, a deixarem-se ficar nas mesmas posições ideológicas e de opinião que lhes são fornecidas pelos mass media. Num contexto de uma mudança dissimulada e subterrânea - no sentido de não-evidente - as pessoas começam a acostumar-se a um dado sistema de coisas. Quando é preciso tomar medidas para que se faça algo de energético, ninguém responde. Quando se percebe que algo está mal, deixa-se o tempo resolver... ou "os outros".
A verdade é esta, porém: o Homem é um animal de mudanças. É porque mudamos que conseguimos crescer como espécie, e crescer como pessoas, crescer culturalmente e crescer para limites antes desconhecidos. Os períodos de conflitualidade parecem estar esmaecidos neste nosso recanto de mundo, onde todas as coisas são tratadas amenamente, e onde as que não o são geralmente têm pouco interesse (numa relação inversamente proporcional à cobertura jornalística dada, grosso modo). Se queremos mudar o que quer que seja, temos que começar pelo mais primitivo e simples dos sítios. Por nós mesmos. Não se conseguirá fazer nada se avançarmos com esta falta de motivação para mudar. Não queremos que "nos deixem em paz". Queremos mostrar que ainda existimos, que não fomos reduzidos e despersonalizados, que a nossa identidade existe, e que o sujeito humano pode! Crescer não é um processo que termina com a maturação corporal. O nosso crescimento interior deve continuar ad infinitum. Alguém que mantenha as mesmas opiniões sobre tudo demasiado tempo pode estar certo que parou, já que é impossível atingir a perfeição, como referi no início. Há uma infinidade de caminhos a percorrer, há uma trilha que tem uma infinita largura - ficar parado no mesmo sítio é suicídio.
A vida está na mudança.
Prometeu

terça-feira, novembro 09, 2004

O Dilema do Porco-Espinho

Nós, como humanos, prezamos o nosso espaço privado, a nossa intimidade, a nossa segurança interior. Ou seja, como humanos, procuramos um nível mínimo de permeabilidade às condições externas como forma de defesa elementar de quem somos, tanto física como psicologicamente. Montamos também defesas mais activas, de forma a repelir quaisquer elementos nocivos. A questão é que isto cria uma espécie de fosso entre humanos, um paradoxo de interesses que advém deste facto em combinação com um outro: precisamos de humanos para nos humanizarmos.

O que nos traz ao Dilema do Porco-Espinho. Tal como eles, quando nos queremos aproximar de outra pessoa, acabamos por nos arriscar a sermos magoados, mas se não arriscarmos essa proximidade, então também acabaremos por ficar magoados e deformados pela solidão. O ideal seria que houvesse uma consciencialização deste perigo para que pudéssemos baixar as barreiras e aprender a confiar mais nos que estão perto de nós. Ao fazermos isso, estamos a prevenir magoar os outros - afinal de contas, eles magoam-se nas nossas protecções e vice-versa.

Prometeu

terça-feira, novembro 02, 2004

Nova concepção da relação com o corpo

Termino agora a trilogia que é composta por Descartes e o "cogito" e por Legado estóico. Tal como neste primeiro post, vou agora referir-me mais concretamente a uma resolução destes problemas.

Trata-se aqui de uma coisa que é bastante simples e, ao mesmo tempo, ao nível da execução, extraordinariamente complexa... a mudança social. A mudança das mentalidades que nos perseguem e assombram há já milhares de anos. Dizerem-me que esta tarefa é impossível é simplesmente sucumbir ao eterno derrotismo e laxismo a que estamos tão habituados aqui por terras d'el-rei. Se é possível a um elemento da sociedade essa mudança, se é possível a um pequeno grupo da sociedade essa mudança, não existe nenhuma razão pela qual seja impossível um acontecimento desta natureza. Porém, reafirmo, não será fácil; é quase uma utopia, mas não existe um elemento de impossibilidade técnica que torne esta tarefa impossível.

A mudança aqui segue num caminho bastante óbvio, e que já afirmei no primeiro post desta série. É pela simples articulação da Razão com o corpo, com a nossa identidade carnal, que poderemos conciliar ambos os aspectos das nossas vivências. Não podemos impunemente relegar para segundo plano o legado incomparável de Freud - e isto é algo que a sociedade tem feito há muito tempo. Partindo de um princípio que sobrevaloriza o social como sendo natural, e que identifica (arbitrariamente) o corporal como sendo maligno, a sociedade tem-se recusado a aceitar o seu próprio corpo, ao mesmo tempo que é levada pelo desejo reprimido do corpo, latente em coisas como a publicidade, por exemplo.
A solução passa por desistir de tentar procurar a pureza virginal/sexual como forma de atingir um estado de suposta superioridade humana. Nós somos seres pulsionais, nós somos seres irracionais; somos também seres racionais. A natureza humana é muito melhor entendida se se tiver em conta um permanente sistema de dualidades. É a saudável convivência entre as várias dualidades que nos compõem que podem fazer com que a nossa vida seja mais proveitosa. Não é por eu usar a minha Razão que fico impedido de, em situações diferentes, dar largas à minha sexualidade, e vice-versa. Até mesmo aquelas situações que são consideradas como aberrações podem ser vistas de outro ponto de vista: do ponto de vista social. Por exemplo, era prática comum na Antiga Grécia que os rapazes mais pequenos fossem tomados como protegés por seus colegas mais velhos, com os quais mantiam relações homossexuais. Aquilo que actualmente cria traumas e obriga a tratamento psicológico era antes considerado como natural. Conclui-se que a prática em si tem o valor que a sociedade lhe dá, e não tem um valor intrinsecamente mau, como nos querem fazer crer os homófobos (por exemplo).
Ademais, segundo as teorias de Freud, se diminuirmos o número de coisas a ter que recalcar e proibir, estaremos a facilitar um pouco a nossa vivência psicológica interior. É claro que, repito, tudo isto deve ser feito com a supervisão, e não o controlo absoluto, da Razão. Temos que, em todas as alturas, ter em conta o outro.
Prometeu