sábado, outubro 30, 2004

Legado estóico

Ainda neste nosso século XXI podemos claramente ver o legado da filosofia estóica e a forma como isso nos afecta. Consideravam os estóicos que o que era corporal (deveria dizer corpóreo, talvez) estava conotado com a noção de Mal. Assim, tudo o que de prazenteiro poderia ser disfrutado através do corpo era, a priori, mau.
Depois disso, a Igreja vem, com todas as suas ideias de pecado (Original), de tentação, de prazer versus adoração a um tal Deus, retomar essa ideia e assim fazer descer sobre a Europa e arredores um véu de ignorância e de férreas proibições sobre tudo o que fosse relacionado com o corpo. Os padres, por exemplo, têm ainda hoje que fazer voto de castidade, apesar de nada na Bíblia a isso obrigar; e os fiéis estão ainda sujeitos a restrições várias. Por exemplo numa outra religião que também se afirma cristã (e neste caso não falo da Igreja Católica Apostólica Romana, mas sim das Testemunhas de Jeová) a masturbação é estritamente proibida, já que o prazer é algo que só pode ser apreciado a dois - foi assim que Deus quis, e qualquer desvio disso é pecado... Mesmo quando os médicos identificam isto como sendo um acto perfeitamente natural. Como nota a isto devo mencionar que ontem à noite, ao ver um episódio de "ER - Serviço de Urgências" (mais vale isso do que telenovelas ou Quinta das $#&%&##$%#$), foi ficcionada uma história de uma pequena menina, com os seus três anos, que tinha sofrido uma queimadura na mão: a mãe tinha-a queimado com um pisa-papéis aquecido para ela parar de "se tocar... lá em baixo". O mais perturbante é que eu não duvido que isto aconteça na vida real.
Mudando agora de exemplo: a verdade por detrás do número de grávidas adolescentes (situação que, lamentavelmente, muitas vezes termina em aborto) é, muito simplesmente, a falta de informação e a existência de um tabu que vem da geração anterior. Da geração que está à frente do nosso país. Não sabendo muitas vezes o que são métodos contraceptivos, ou realmente o que é quais são as consequências do sexo, acabam por descobrir da pior maneira. Pior do que isso: vi recentemente uma reportagem que relatava que numa tal vila protestante do Texas era (estão todos sentados para lerem isto?) proibido por lei mencionar métodos contraceptivos nas escolas. Para acrescentar, um dirigente religioso da comunidade dizia barbaridades a quem lhe pedia conselhos: "o látex dos preservativos, por ser artificial, deixa passar o esperma e os vírus". Quem se quiser rir, pense nas consequências. São elas: uma população (entre muitas outras) completamente fanatizada com a manutenção da "pureza" e da "castidade"; ao mesmo tempo que, quem não é religioso embarca nas ditas "actividades impróprias", gerando uma das mais elevadas taxas de gravidez adolescente do Estado do Texas...
E como quem não quer falar de sexo ao nível pedagógico também não fala dele ao nível relacional, mais uma outra notícia dos E.U.A.: tornou-se hábito a prática da felação na parte de trás dos autocarros escolares - é mesmo elevado ao estatuto de moda ou de hábito corriqueiro... Alguém detecta aqui algum problema? Será que ninguém percebe que, ao não informar, está a fazer pior? É tão difícil de perceber que a psique humana funciona, na maior parte das vezes e em especial em tão sensíveis idades, à base do velho "o fruto proibido é o mais apetecido"? (Note-se, ironicamente, a conotação religiosa deste ditado...)
Mas deixemos esse "adorável" país... deixemos mesmo a nossa cultura! No nosso continente vizinho, a África, temos outra prática cultural que, podemos afinçá-lo, nenhuma ligação tem com a Igreja, já que é anterior a esta: a excisão. Ou seja, a remoção do clítoris em tenra idade. Ah, falta mencionar que isto é feito ao ar livre, com uma mera e vulgar faca e que, em certos sítios, o curativo é feito com estrume... Ou seja, quando a rapariguinha não morre, fica mutilada para toda a vida. Isto porque o prazer feminino é proibido: as mulheres existem apenas para dar prazer aos homens. Estes são os resultados de uma cultura machista. Mas, calma... se pensarmos bem, a nossa cultura também é machista... e esta prática cultural foi importada e é praticada em Portugal, contra a vontade das vítimas, muitas vezes. Esqueci-me talvez de referir que esta operação é levada a cabo pelas outras mulheres, por sua vez também mutiladas há muitos anos atrás. Este é o peso do conformismo, da tradição!
Em Portugal? Bem, para além da estupidez generalizada, da ignorância alargada (lembro-me de uma pergunta que ouvi da boca de uma adolescente: "como é que as mulheres se masturbam?") o Estado adora deixar projectos importantes (Educação Sexual) na gaveta... Afinal de contas, o Euro2004 é mais importante! Não é? Projectos-Lei, boas intenções e tretas afins, no fim tudo redunda na mais completa imobilidade ou então no mais rotundo fracasso. Ninguém se está para preocupar. E os paizinhos, em casa, muito ocupados ou muito cansados (pobrezinhos!), não têm tempo ou não têm coragem (?!?!?!) para educar decentemente os filhos, julgando que isso é da competência exclusiva da Escola. Por outro lado, os filhos, seguindo o dogma de que para terem a sua autonomia precisam de se desligar completamente da entidade parental, não têm também a franqueza de perguntar...
Prometeu
continua...

terça-feira, outubro 26, 2004

Descartes e o "cogito"

A famosa frase cogito, ergo sum, que demonstra a principal verdade que Descartes encontra na sua dúvida metódica, e que, ao mesmo tempo, é a pedra angular de todo o seu pensamento filosófico foi, por "contrabando" linguístico, por mera nuance de gramática, transformado, havendo uma deturpação do sentido - de ego cogito (eu penso) passa-se para o cogito no geral (o pensamento). Portanto, ao invés de haver um sujeito de enunciação que pensa e que, por conseguinte, é, passa a haver um pensamento que é, ou, melhor dizendo, é o pensamento que é. Perde-se portanto a necessidade de um sujeito que pensa e passa-se ao pensamento em abstracto como realidade do ser: nós somos pensamento.

Como uma das bases do projecto Iluminista anterior a este nosso novo Iluminismo, Descartes deixou assim uma das principais influências: o pensamento e a Razão são todas-poderosas, somos apenas pensamento. Ora, isto levou a uma coisa muito simples: a total e completa negação do Homem como uma entidade física, como uma entidade racional e irracional, que tem, para além da Razão, sensações, sentimentos, frustrações e desejos.

É certo que o projecto dos Neo-Illuminati se apoia também no uso da nossa inteligência humana para atingir um novo nível de ordem e de sociedade, um novo nível intelectual e de conhecimento. Mas é também certo que não cairemos (não o poderíamos fazer se realmente amamos assim tanto a Verdade) no erro de supôr que o Homem é unicamente ou maioritariamente racional. Se bem que, como eu encaro as nossas vivências, o controlo do racional sobre o irracional pode ser aumentado, também é verdade que este controlo castrador não deve ter lugar. Muito pelo contrário, a inteligência que temos deve servir-nos para compreender os nossos desejos, as nossas pulsões, para usá-las de forma não lesiva. Não queremos dizer que o Homem pensa acima de tudo, mas que o Homem pensa e sente, e que pode utilizar estas duas coisas para que não se entregue a um deplorável ascetismo de século 18, nem ao deboche que conduz ao oblívio de tudo o resto. Temos que saber assumir os nossos desejos e apetites, temos que procurar satisfazê-los, desde que daí não resulte mal a outro, mas temos que contrabalançar isso com um uso cabal da Razão; temos que saber dirigir a nossa vida entre os períodos de emoção e paixão e temos que saber dedicar-nos à paixão e às emoções entre os momentos de condução racional da nossa vida.

De forma a não me afastar do tema, deixarei o ascetismo para outra altura, tanto o Iluminista, como o pré-iluminista, com as suas claras fundações a remontarem aos primeiros ascetas da Antiga Grécia, e ao seu reforço pela Igreja na Idade Média.

Prometeu

segunda-feira, outubro 25, 2004

Início dos Neo-Illuminati

Nascidos de uma nova forma de encarar a sociedade, de uma forma diferente de nos posicionarmos face ao "marasmo que nos atordoa" [Jorge Palma], aqui pretendemos deixar uma nova forma de sociedade, aqui pretendemos ter uma nova forma de encarar a vida e aquilo que nos rodeia. Tal como pode ser lido no rodapé deste blog, pretendemos também ultrapassar as convicções demasiado positivistas e desprovidas de certos dados da evolução social que agora temos. É necessário que se opere uma revolução, mas é também necessário que se estabeleça primeiro um contexto teórico para essa mesma revolução, e que se forme um grupo que proceda à mudança. Este primeiro grupo, o núcleo duro dos Neo-Illuminati, não é imutável, pelo que várias pessoas poderão vir a integrá-lo (esperemos que o façam, na verdade). Mas para sempre se registará estas primeiras pessoas que ficarão a cargo de diferentes secções do real, sem que haja, porém, nada de definido.

Apelamos também à participação activa dos leitores (é para isso que servem os comentários!!) e prometemos que daremos resposta, na medida do possível, às questões ou objecções (pelo que, depois de deixarem um comentário, devem lá voltar para ver se já alguém respondeu). Porque consideramos que o humano deve aspirar a ser a eterna mudança, o constante devir, não dizemos que trazemos connosco verdades absolutas, mas sim um projecto alternativo.

De seguida, os meus companheiros farão também uma sua introdução sobre os seus contributos para este blog. Que este possa ser o início de uma grande viagem pelo político, social, económico, artístico... enfim, pelo Real! Adoptámos como lema Libertas in Veritas - a Liberdade na Verdade. É a verdade que nos libertará, é a verdade que procuramos alcançar, não aquilo que oferecemos simplesmente. Queremos que questionem, discordem, debatam, não queremos ser seguidos cegamente. Pensem por vós mesmos! Libertem-se!

Libertas in Veritas!

Prometeu